1. A base de cálculo das contribuições sociais, das quais o PIS e a COFINS são espécies, é o faturamento ou a receita da pessoa jurídica, nos termos do art. 195, I, da Constituição Federal (CF/88), na sua redação original e do art. 195, I, b, da CF/88, na redação dada pela Emenda Constitucional (EC) nº 20/98:
Art. 195 – A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (…) b) a receita ou o faturamento;
2. De fato:
a) o conceito de faturamento previsto no art. 195, I, da CF/88, na sua redação original, corresponde à receita bruta da venda de mercadorias e/ou de serviços, conforme já decidido pelo Plenário do E. Supremo Tribunal Federal – STF – (RE nº 150.755, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ, Seção I, de 20.08.1993 e no RE’s nºs 357.950, 358.273 e 390.840, rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ, Seção I, de 15.08.2006) e
b) o conceito de receita previsto no art. 195, I, b, da CF/88, na redação dada pela EC nº 20/98, compreende as seguintes modalidades, segundo o art. 187 da Lei nº 6.404/76: receita bruta e líquida das vendas e serviços e receitas operacionais e não operacionais, conforme decidido pelo Plenário do E. STF (REs nºs 357.950, 358.273 e 390.840, rel. Min. MARCO AURÉLIO – voto Min. CEZAR PELUSO, DJ, Seção I, de 15.08.2006).
3. Pois bem. À luz do art. 195, I, da CF/88, tanto na redação original como na redação atual, a inclusão dos valores do ISS no cômputo da base de cálculo do PIS e da COFINS é flagrantemente inconstitucional, na medida em que tais valores constituem ônus fiscal e não faturamento nem receita do contribuinte.
4. Com efeito, em 24.06.2006, o E. STF iniciou o julgamento do RE nº 240.785/MG, em sessão plenária, no qual se discutia a constitucionalidade do cômputo do ICMS na base de cálculo da COFINS. Na referida sessão plenária, cujo julgamento foi suspenso pelo pedido de vista do Ministro GILMAR MENDES, os Ministros MARCO AURÉLIO, CÁRMEN LÚCIA, RICARDO LEWANDOWSKI, CARLOS BRITTO, CEZAR PELUSO e SEPÚLVEDA PERTENCE concluíram pela inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo da COFINS, sob o fundamento de que esse valor constitui ônus fiscal e não receita do contribuinte; eis a notícia veiculada no Informativo nº 437 do E. STF:
ICMS na Base de Cálculo da COFINS: O Tribunal retomou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a constitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo da COFINS, conforme autorizado pelo art. 2º, parágrafo único, da LC 70/91 — v. Informativo 161. Na sessão plenária de 22.3.2006, deliberara-se, diante do tempo decorrido e da nova composição da Corte, a renovação do julgamento. Nesta assentada, o Tribunal, por maioria, conheceu do recurso. Vencidos, no ponto, os Ministros Cármen Lúcia e Eros Grau que dele não conheciam por considerarem ser o conceito de faturamento matéria infraconstitucional. Quanto ao mérito, o Min. Marco Aurélio, relator, deu provimento ao recurso, no que foi acompanhado pelos Ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Carlos Britto, Cezar Peluso e Sepúlveda Pertence. Entendeu estar configurada a violação ao art. 195, I, da CF, ao fundamento de que a base de cálculo da COFINS somente pode incidir sobre a soma dos valores obtidos nas operações de venda ou de prestação de serviços, ou seja, sobre a riqueza obtida com a realização da operação, e não sobre ICMS, que constitui ônus fiscal e não faturamento (“Art. 195. A seguridade social será financiada… mediante recursos provenientes… das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:… b) a receita ou faturamento.”). O Min. Eros Grau, em divergência, negou provimento ao recurso por considerar que o montante do ICMS integra a base de cálculo da COFINS, porque está incluído no faturamento, haja vista que é imposto indireto que se agrega ao preço da mercadoria. Após, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do Min. Gilmar Mendes. RE 240785/MG, rel. Min. Marco Aurélio, 24.8.2006. (RE-240785)” (grifos nosso)
5. O voto do Ministro relator MARCO AURÉLIO é irretorquível; eis os trechos pertinentes:
(…) As expressões utilizadas no inciso I do artigo 195 em comento hão de ser tomadas no sentido técnico consagrado pela doutrina e jurisprudencialmente. Por isso mesmo, esta Corte glosou a possibilidade de incidência da contribuição, na redação primitiva da Carta, sobre o que pago àqueles que não mantinham vínculo empregatício com a empresa, emprestando, assim, ao vocábulo “salários”, o sentido técnico-jurídico, ou seja, de remuneração feita com base no contrato de trabalho – Recurso Extraordinário n° 128.519-2/DF. Jamais imaginou-se ter a referência à folha de salários como a apanhar, por exemplo, os acessórios, os encargos ditos trabalhistas resultantes do pagamento efetuado. Óptica diversa não pode ser emprestada ao preceito constitucional, revelador da incidência sobre o faturamento. Este decorre, em si, de um negócio jurídico, de uma operação, importando, por tal motivo, o que percebido por aquele que a realiza, considerada a venda de mercadoria ou mesmo a prestação de serviços. A base de cálculo da Cofins não pode extravasar, desse modo, sob o ângulo do faturamento, o valor do negócio, ou seja, a parcela percebida com a operação mercantil ou similar. O conceito de faturamento diz com riqueza própria, quantia que tem ingresso nos cofres de quem procede à venda de mercadorias ou à prestação dos serviços, implicando, por isso mesmo, o envolvimento de noções próprias ao que se entende como receita bruta. Descabe assentar que os contribuintes da Cofins faturam, em si, o ICMS. O valor deste revela, isto sim, um desembolso a beneficiar a entidade de direito público que tem a competência para cobrá-lo. A conclusão a que chegou a Corte de origem, a partir de premissa errônea, importa na incidência do tributo que é a Cofins, não sobre o faturamento, mas sobre outro tributo já agora da competência de unidade da Federação. No caso dos autos, muito embora com a transferência do ônus para o contribuinte, ter-se- á, a prevalecer o que decidido, a incidência da Cofins sobre o ICMS, ou seja, a incidência de contribuição sobre imposto, quando a própria Lei Complementar n° 70/91, fiel à dicção constitucional, afastou a possibilidade de incluir-se, na base de incidência da Cofins, o valor devido a título de IPI. Difícil é conceber a existência de tributo sem que se tenha uma vantagem, ainda que mediata, para o contribuinte, o que se dirá quanto a um ônus, como é o ônus fiscal atinente ao ICMS. O valor correspondente a este último não tem a natureza de faturamento. Não pode, então, servir à incidência da Cofins, pois não revela medida de riqueza apanhada pela expressão contida no preceito da alínea “b” do inciso I do artigo 195 da Constituição Federal. Cumpre ter presente a advertência do ministro Luiz Gallotti, em voto proferido no Recurso Extraordinário n° 71.758: “se a lei pudesse chamar de compra e venda o que não é compra, de exportação o que não é exportação, de renda o que não é renda, ruiria todo o sistema tributário inscrito na Constituição” – RTJ 66/165. Conforme salientado pela melhor doutrina, “a Cofins só pode incidir sobre o faturamento que, conforme visto, é o somatório dos valores das operações negociais realizadas”. A contrário sensu, qualquer valor diverso deste não pode ser inserido na base de cálculo da Cofins.
(…) Da mesma forma que esta Corte excluiu a possibilidade de ter-se, na expressão “folha de salários”, a inclusão do que satisfeito a administradores, autônomos e avulsos, não pode, com razão maior, entender que a expressão “faturamento” envolve, em si, ônus fiscal, como é o relativo ao ICMS, sob pena de desprezar-se o modelo constitucional, adentrando-se a seara imprópria da exigência da contribuição, relativamente a valor que não passa a integrar o patrimônio do alienante quer de mercadoria, quer de serviço, como é o relativo ao ICMS. Se alguém fatura ICMS, esse alguém é o Estado e não o vendedor da mercadoria. (…) (grifos nosso)
6. Adotando esse mesmo entendimento foram os acórdãos recentes proferidos pelos Tribunais Regionais Federais (TRF) da 1ª e 3ª Regiões; citem-se, entre outros: AMS nº 2010.33.11.0000742, rel. Des. Maria do Carmo Cardoso, DJe de 11.05.2012 (TRF1) e AMS nº 0006194-21.2010.4.03.6119/SP, rel. Des. MÁRCIO MORAES, DJe de 05.04.2012 (TRF3).
7. Vê-se, pois, que a inclusão do ISS na base de cálculo do PIS e da COFINS é inconstitucional, vez que tais valores constituem ônus fiscal e não faturamento nem receita do contribuinte.
8. Hodiernamente, já foi reconhecida repercussão geral, especificamente, sobre esta questão (inclusão do ISS na base de cálculo do PIS e da COFINS), no RE nº 592.616/RS, de relatoria do Ministro RICARDO LEWANDOWSKI; eis os trechos pertinentes da decisão do saudoso Ministro MENEZES DE DIREITO de reconhecimento da repercussão geral:
(…) Entendo que a matéria constitucional discutida nestes autos, porque trata de tema análogo ao do RE nº 574.706/PR Relatora a Ministra Cármen Lúcia, que discute a constitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS, cuja repercussão geral foi reconhecida pelo Plenário desta Corte, transcende o interesse subjetivo das partes e possui relevância suficiente para viabilizar o julgamento do recurso extraordinário por este Supremo Tribunal Federal. Além disso, como ressaltado no trecho extraído do voto do Relator do acórdão atacado, a norma do artigo 3º, § 2º, inciso I, da Lei nº 9.748/98 (sic) que dispõe sobre a base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS, é objeto da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 18, de minha relatoria, em que foi deferida medida cautelar pelo Plenário desta Corte para determinar que os Juízes e os Tribunais pátrios suspendam o julgamento dos processos em trâmite, aí não incluídos, evidentemente, os processos em andamento no STF, que envolvam a aplicação do art. 3º, § 2º, inciso I, da Lei nº 9.718, de 27/11/98. Assim, considero presente a repercussão geral.
9. Apesar do reconhecimento da repercussão geral sobre o mesmo tema, é possível que o entendimento do E. STF sobre esta questão seja pacificado no julgamento da ADC nº 18 em que se discute a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS.
DANIEL CHERNICHARO DA SILVEIRA
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